domingo, abril 13, 2003
Trilha sonora de 'Deus é brasileiro' acerta ao traçar um painel da nova música do Norte e Nordeste
Em "Deus é brasileiro", de Cacá Diegues, o Todo-Poderoso reclama muito, mas sem motivo. Afinal, Ele passeia por alguns dos mais belos cenários brasileiros, é assediado por Paloma Duarte e, como se não bastasse, ainda tem a oportunidade de ouvir música de primeira, como se pode conferir na trilha sonora do filme, que a Sony lança esta semana. Com o repertório selecionado pelo produtor Chico Neves (Skank, Lenine, Fernada Abreu), o antropólogo Hermano Vianna e montador Sérgio Mekler, o CD tem vida própria além das imagens. Acompanhando a trajetória dos personagens na tela, o disco oferece um painel representativo dos modernos (e dos eternos) sons do Norte e Nordeste brasileiros, de Luiz Gonzaga a DJ Dolores.
Djavan - com sua voz multiplicada em estúdio - abre o disco como se anunciando a chegada de uma festa de reisado, com a "Loa de abertura" ("Senhores desta casa / Licença, eu vou chegando") - o canto, de domínio público, já havia sido gravado por Antonio Nóbrega em seu CD "Na pancada do ganzá". Mas, como mostra o filme, o interior do Brasil tem suas parabólicas e o folclore não está imune a interferências, que aqui aparecem na forma de sutis intervenções eletrônicas. Os efeitos eletrônicos, aliás, pontuam o disco, em maior ou menor grau, dando novos timbres aos batuques e escalas da tradição nordestina.
O toque marcial das caixas de folia, acompanhado de guitarra, baixo fretless e flauta, introduz a tropical "Na rede", da Banda Ôxe. É uma preparação para "Melodia sentimental", de Villa-Lobos, numa versão instrumental com a rabeca à frente, fazendo o caminho de volta ao universo sertanejo de onde o maestro tirou a inspiração para o clássico.
Hermeto Pascoal promove uma celebração de cordas em "Festa na lua", revisitando com invencionice os ritmos e temas nascidos nas mãos dos emboladores. A voz entra como mais um instrumento, soltando palavras soltas e percussivas como "forróbodó".
Em "Lycra limão", Lucas Santanna saca novas cores nordestinas ("Menina me dê / Seu jeitinho legal / É 'topizinho', chinelinho, calção / É lycra limão"), com batidas eletrônicas no ritmo do resfolego da sanfona. Mas o cantor não vai tão fundo em suas fusões quanto Chico Science e Nação Zumbi fazem na faixa seguinte, a já clássica "Rio, pontes e overdrives", do primeiro disco do grupo.
Revelado no projeto "Cartografia musical brasileira", o guitarrista paraense Pio Lobato mostra sua "Psicocúmbia". Com um estilo pessoal, que dialoga com o de Lúcio Maia, do Nação Zumbi, Pio faz bonito fazendo uma suave guitarra rítmica cortada com notas repetidas em eco. Já DJ Dolores preferere ralentar e une caxixi e violinos na viajante "Para um dub no Recife". O "Baião lo-fi" de Chico Corrêa fecha o bloco de folclore espacial, com um cadenciado triângulo convidando um drum'n bass furioso para a roda.
O Grupo Caçuá, que sustenta "Ô menina" com tambor, pandeiro e pífanos, coloca o CD de novo de pé no chão, em versos simples, com coro feminino e estrutura de pergunta e resposta. Prepara o terreno para Luiz Gonzaga, com sua "A vida do viajante". Acompanhado pelo trio tradicional do forró (zabumba, sanfona e triângulo), Gonzagão não deixa espaço para Antônio Fagundes: no disco, Deus é ele.
Com tom apocalíptico de profeta do sertão, o Cordel do Fogo Encantado questiona - e, ao mesmo tempo, reverencia - os deuses do Nordeste com a batuqueira de "Os anjos caídos", feita especialmente para o filme e incluída também no novo CD do grupo.
Pequenos pecados, porém, ficaram reservados para o final. Não que as versões de Djavan para "Melodia sentimental" - ou de Lenine, para "A vida do viajante" sejam ruins. A primeira une a voz doce de Djavan a um belo arranjo de cordas e piano. Já Lenine faz uma curiosa releitura, cheia de timbres metálicos, da canção de Gonzagão. Mas, elas perdem quando comparadas às leituras que as precedem no CD. Nada grave. Afinal, apesar da ficha técnica falha (sem o nome dos intrumentistas), o disco tem tudo que precisa para garantir seu lugar no céu.
Em "Deus é brasileiro", de Cacá Diegues, o Todo-Poderoso reclama muito, mas sem motivo. Afinal, Ele passeia por alguns dos mais belos cenários brasileiros, é assediado por Paloma Duarte e, como se não bastasse, ainda tem a oportunidade de ouvir música de primeira, como se pode conferir na trilha sonora do filme, que a Sony lança esta semana. Com o repertório selecionado pelo produtor Chico Neves (Skank, Lenine, Fernada Abreu), o antropólogo Hermano Vianna e montador Sérgio Mekler, o CD tem vida própria além das imagens. Acompanhando a trajetória dos personagens na tela, o disco oferece um painel representativo dos modernos (e dos eternos) sons do Norte e Nordeste brasileiros, de Luiz Gonzaga a DJ Dolores.
Djavan - com sua voz multiplicada em estúdio - abre o disco como se anunciando a chegada de uma festa de reisado, com a "Loa de abertura" ("Senhores desta casa / Licença, eu vou chegando") - o canto, de domínio público, já havia sido gravado por Antonio Nóbrega em seu CD "Na pancada do ganzá". Mas, como mostra o filme, o interior do Brasil tem suas parabólicas e o folclore não está imune a interferências, que aqui aparecem na forma de sutis intervenções eletrônicas. Os efeitos eletrônicos, aliás, pontuam o disco, em maior ou menor grau, dando novos timbres aos batuques e escalas da tradição nordestina.
O toque marcial das caixas de folia, acompanhado de guitarra, baixo fretless e flauta, introduz a tropical "Na rede", da Banda Ôxe. É uma preparação para "Melodia sentimental", de Villa-Lobos, numa versão instrumental com a rabeca à frente, fazendo o caminho de volta ao universo sertanejo de onde o maestro tirou a inspiração para o clássico.
Hermeto Pascoal promove uma celebração de cordas em "Festa na lua", revisitando com invencionice os ritmos e temas nascidos nas mãos dos emboladores. A voz entra como mais um instrumento, soltando palavras soltas e percussivas como "forróbodó".
Em "Lycra limão", Lucas Santanna saca novas cores nordestinas ("Menina me dê / Seu jeitinho legal / É 'topizinho', chinelinho, calção / É lycra limão"), com batidas eletrônicas no ritmo do resfolego da sanfona. Mas o cantor não vai tão fundo em suas fusões quanto Chico Science e Nação Zumbi fazem na faixa seguinte, a já clássica "Rio, pontes e overdrives", do primeiro disco do grupo.
Revelado no projeto "Cartografia musical brasileira", o guitarrista paraense Pio Lobato mostra sua "Psicocúmbia". Com um estilo pessoal, que dialoga com o de Lúcio Maia, do Nação Zumbi, Pio faz bonito fazendo uma suave guitarra rítmica cortada com notas repetidas em eco. Já DJ Dolores preferere ralentar e une caxixi e violinos na viajante "Para um dub no Recife". O "Baião lo-fi" de Chico Corrêa fecha o bloco de folclore espacial, com um cadenciado triângulo convidando um drum'n bass furioso para a roda.
O Grupo Caçuá, que sustenta "Ô menina" com tambor, pandeiro e pífanos, coloca o CD de novo de pé no chão, em versos simples, com coro feminino e estrutura de pergunta e resposta. Prepara o terreno para Luiz Gonzaga, com sua "A vida do viajante". Acompanhado pelo trio tradicional do forró (zabumba, sanfona e triângulo), Gonzagão não deixa espaço para Antônio Fagundes: no disco, Deus é ele.
Com tom apocalíptico de profeta do sertão, o Cordel do Fogo Encantado questiona - e, ao mesmo tempo, reverencia - os deuses do Nordeste com a batuqueira de "Os anjos caídos", feita especialmente para o filme e incluída também no novo CD do grupo.
Pequenos pecados, porém, ficaram reservados para o final. Não que as versões de Djavan para "Melodia sentimental" - ou de Lenine, para "A vida do viajante" sejam ruins. A primeira une a voz doce de Djavan a um belo arranjo de cordas e piano. Já Lenine faz uma curiosa releitura, cheia de timbres metálicos, da canção de Gonzagão. Mas, elas perdem quando comparadas às leituras que as precedem no CD. Nada grave. Afinal, apesar da ficha técnica falha (sem o nome dos intrumentistas), o disco tem tudo que precisa para garantir seu lugar no céu.