quinta-feira, maio 01, 2003
Animação (quase) 100% brazuca no Abril Pro Rock
Do Recife, o correspondente José Teles conta tudo sobre a 11º edição do APR, uma das mais bem-sucedidas da história do evento
José Teles (Recife)
14/04/2003
Do mainstream de Nando Reis, ao maracatu de baque solto de Siba (do Mestre Ambrósio) e o Fuloresta do Samba, até o punk rock escrachado do germânico Terrorgruppe, a décima-primeira edição do Abril Pro Rock (encerrada na madrugada da segunda,14) abrigou todas as tribos e sonoridades. E mais: driblando a fuga de alguns patrocinadores de peso (caso da Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco, CHESF) e a alta do dólar (que impossibilitou a vinda de grandes nomes gringos), o APR teve uma de suas mais bem-sucedidas edições, com média de oito mil pessoas por noite.
Alternativo, ma non troppo, o APR iniciou a primeira noite com o grupo paraibano Chico Correa, que mistura tecnologia de ponta com ritmos nordestinos, enquanto O Rappa fez o último show. Entre um e outro, o público que lotou o Pavilhão do Centro de Convenções de Pernambuco (em Olinda), teve os beats e grooves do DJ Dolores y Orchestra Santa Massa, o funk carioca do Stereo Maracanã, o som coletivo do Instituto, e o maracatu de 16 toneladas do Nação Zumbi.
Jogando em casa, o DJ Dolores Y Orchestra Santa Massa e o Nação Zumbi fizeram os mais irretocáveis shows da noite. O primeiro (liderado pelo sergipano/pernambucano Hélder Aragão) processa uma inovadora experiência sonora, um amálgama de drum'n'bass e ritmos pernambucanos, MCs, poema de Ascenso Ferreira e uma vocalista de timbre raro (Isaar França, onde estão os caras das gravadoras que ainda não atentaram para a moça?). O Nação Zumbi é atualmente uma das presenças mais fortes de palco do país. Totalmente livres da sombra de Chico Science, o grupo entrou para matar. De Meu Maracatu Pesa uma Tonelada (do CD novo, Nação Zumbi ), à já clássica Manguetown (com participação de Fred 04, da Mundo Livre S.A), a banda não deixou muitas pausas para a platéia respirar.
O Stereo Maracanã mostrou ao vivo o que não transparece em seu CD de estréia , carnavalizando o funk com sotaque carioquíssimo. O contrário aconteceu com a turma do Instituto, que funciona melhor em disco . Rica Amabis & cia somente conseguiram cativar a platéia desatenta quando se uniram a eles, o Bonsucesso Samba Clube e, mais uma vez, Fred 04. A galera estava a fim mesmo de ver O Rappa. E recebeu o que queria: um show redondo, com direito a todos os hits amealhados em uma década de carreira.
Tradicionalmente reservado à turma do metal pesado, o sábado teve como estrela da noite o Shaman, a dissidência do Angra que trouxe sangue novo ao heavy metal tupiniquim. O quinteto mostrou em duas horas, que pode tornar-se mais uma banda de metal nacional com trânsito livre no exterior. Antes deles, a platéia pogou e bateu cabeça com o peso dos pernambucanos Infested Blood, do Hanagorik (que engatou carreira internacional a partir da pequena Surubim, no agreste do Estado), Porão GB, o punk rock da boa e (ainda) não descoberta banda baiana Nancyta e os Grazzers, que agradou com canções próprias e covers do Kiss (Detroit Rock City) e AC/DC (Jailbreak), Dead Fish (que inflamou o público com diatribes anti-Bush), e o Terrorgruppe, responsável pela mais bizarra apresentação do APR 2003.
O vocalista Archi MC Motherfucker incendiou a apresentação da banda. Largando o microfone, abaixando as calças, ele enfiou um buscapé aceso no traseiro (por coincidência, Guilherme Arantes, autor dos versos "Pega carona numa cauda de cometa", apresentava-se na mesma hora no teatro Guararapes, na parte superior do Centro de Convenções).
O Ira! encerrou o APR2003, com um show pleno de adrenalina, no qual repassou toda a carreira da banda. Próximo ao final, Fred 04 adentrou o palco. Ele e Nasi terçaram vozes em três canções do Clash, uma delas a versão de Train in Vain. Poucos se deram conta que 04, um dos criadores do manguebeat, retribuía um favor. No final dos anos 80, O grupo paulista, já famoso, foi até um boteco em Olinda, chamado Oásis, e tocou, na base da brodagem, com três grupos poucos conhecidos até mesmo no Grande Recife, Lamento Negro, Mundo Livre S.A e Loustal, cujo vocalista era um tal de Chico Science. Essa foi a manifestação pioneira do que viria a ser o manguebeat.
Azabumba, Maciel Salu e o Terno de Terreiro, e Siba e a Fuloresta do Samba também seguiram uma tradição que acontece desde a primeira edição do festival, a de não criar barreiras entre o mais puro rock and roll e a mais pura música popular. Enquanto Azabumba ainda faz concessões a instrumentos plugados, Maciel Salu (filho do rabequeiro Mestre Salustiano), e Siba e a Fuloresta do Samba vão de ortodoxos maracatu de orquestra (ou de baque solto), ciranda ou cavalo-marinho. E agradaram em cheio a uma platéia que cresceu escutando esta saudosa promiscuidade de gêneros e ritmos.
Na vitrine do palco 2, os gaúchos do Cachorro Grande, a baiana Pitty, e o pernambucano (radicado em São Paulo), Junior Barreto, expuseram-se com sons diferentes. O Cachorro Grande fica entre a atitude dos Strokes e levadas do the Who; Pitty faz rock básico, mezzo punk, mezzo pop. Júnior Barreto veio de drum'n'bossa. Os três foram observados atentamente pelo produtor Carlos Eduardo Miranda, um freqüentador do APR desde 1993, que transitava pelo pavilhão com os bolsos carregados de demos.
Nando Reis tocou para a torcida. Cantou todos os hits que incensaram carreiras como a de Cássia Eller, Cidade Negra e Titãs. Com uma banda azeitada e tarimba de palco, ele fez o show mais animado da noite, com a platéia cantando junto praticamente todo o repertório que desfiou em moto continuo.
O Los Hermanos havia prometido antecipar no APR Ventura, seu novo disco (que chega às lojas em maio), mas só mostrou uma trinca de canções. A base do repertório foi de O Bloco do Eu Sozinho, com algumas coisas do disco de estréia. Mais cool do que nunca, a banda não faz concessões, portanto, a badalada Anna Júlia (gravada até por Jim Capaldi com direito a slide guitarra de George Harrison), não deu as caras.
A imprensa local foi unânime em afirmar que esta foi a mais animada edição do APR em anos. O sucesso conseguido com a escalação doméstica (a única exceção foi o escatológico Terrorgruppe) pode confirmar uma tendência, a de valorizar cada vez mais grupos nacionais. Gringos como Charlatans, Asian Dub Foundation, ou o redivivo The Mission (que veio ano passado) podem até ajudar a abrir mais espaço para o festival nos jornalões do Sudeste. No entanto, como não são sucesso no Brasil, não contribuem para aumentar o público do evento, e menos ainda para animar a festa - como Ira!, Nação Zumbi, Los Hermanos, Nando Reis, Rappa, e as bandas emergentes fizeram com tanta competência.
Do Recife, o correspondente José Teles conta tudo sobre a 11º edição do APR, uma das mais bem-sucedidas da história do evento
José Teles (Recife)
14/04/2003
Do mainstream de Nando Reis, ao maracatu de baque solto de Siba (do Mestre Ambrósio) e o Fuloresta do Samba, até o punk rock escrachado do germânico Terrorgruppe, a décima-primeira edição do Abril Pro Rock (encerrada na madrugada da segunda,14) abrigou todas as tribos e sonoridades. E mais: driblando a fuga de alguns patrocinadores de peso (caso da Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco, CHESF) e a alta do dólar (que impossibilitou a vinda de grandes nomes gringos), o APR teve uma de suas mais bem-sucedidas edições, com média de oito mil pessoas por noite.
Alternativo, ma non troppo, o APR iniciou a primeira noite com o grupo paraibano Chico Correa, que mistura tecnologia de ponta com ritmos nordestinos, enquanto O Rappa fez o último show. Entre um e outro, o público que lotou o Pavilhão do Centro de Convenções de Pernambuco (em Olinda), teve os beats e grooves do DJ Dolores y Orchestra Santa Massa, o funk carioca do Stereo Maracanã, o som coletivo do Instituto, e o maracatu de 16 toneladas do Nação Zumbi.
Jogando em casa, o DJ Dolores Y Orchestra Santa Massa e o Nação Zumbi fizeram os mais irretocáveis shows da noite. O primeiro (liderado pelo sergipano/pernambucano Hélder Aragão) processa uma inovadora experiência sonora, um amálgama de drum'n'bass e ritmos pernambucanos, MCs, poema de Ascenso Ferreira e uma vocalista de timbre raro (Isaar França, onde estão os caras das gravadoras que ainda não atentaram para a moça?). O Nação Zumbi é atualmente uma das presenças mais fortes de palco do país. Totalmente livres da sombra de Chico Science, o grupo entrou para matar. De Meu Maracatu Pesa uma Tonelada (do CD novo, Nação Zumbi ), à já clássica Manguetown (com participação de Fred 04, da Mundo Livre S.A), a banda não deixou muitas pausas para a platéia respirar.
O Stereo Maracanã mostrou ao vivo o que não transparece em seu CD de estréia , carnavalizando o funk com sotaque carioquíssimo. O contrário aconteceu com a turma do Instituto, que funciona melhor em disco . Rica Amabis & cia somente conseguiram cativar a platéia desatenta quando se uniram a eles, o Bonsucesso Samba Clube e, mais uma vez, Fred 04. A galera estava a fim mesmo de ver O Rappa. E recebeu o que queria: um show redondo, com direito a todos os hits amealhados em uma década de carreira.
Tradicionalmente reservado à turma do metal pesado, o sábado teve como estrela da noite o Shaman, a dissidência do Angra que trouxe sangue novo ao heavy metal tupiniquim. O quinteto mostrou em duas horas, que pode tornar-se mais uma banda de metal nacional com trânsito livre no exterior. Antes deles, a platéia pogou e bateu cabeça com o peso dos pernambucanos Infested Blood, do Hanagorik (que engatou carreira internacional a partir da pequena Surubim, no agreste do Estado), Porão GB, o punk rock da boa e (ainda) não descoberta banda baiana Nancyta e os Grazzers, que agradou com canções próprias e covers do Kiss (Detroit Rock City) e AC/DC (Jailbreak), Dead Fish (que inflamou o público com diatribes anti-Bush), e o Terrorgruppe, responsável pela mais bizarra apresentação do APR 2003.
O vocalista Archi MC Motherfucker incendiou a apresentação da banda. Largando o microfone, abaixando as calças, ele enfiou um buscapé aceso no traseiro (por coincidência, Guilherme Arantes, autor dos versos "Pega carona numa cauda de cometa", apresentava-se na mesma hora no teatro Guararapes, na parte superior do Centro de Convenções).
O Ira! encerrou o APR2003, com um show pleno de adrenalina, no qual repassou toda a carreira da banda. Próximo ao final, Fred 04 adentrou o palco. Ele e Nasi terçaram vozes em três canções do Clash, uma delas a versão de Train in Vain. Poucos se deram conta que 04, um dos criadores do manguebeat, retribuía um favor. No final dos anos 80, O grupo paulista, já famoso, foi até um boteco em Olinda, chamado Oásis, e tocou, na base da brodagem, com três grupos poucos conhecidos até mesmo no Grande Recife, Lamento Negro, Mundo Livre S.A e Loustal, cujo vocalista era um tal de Chico Science. Essa foi a manifestação pioneira do que viria a ser o manguebeat.
Azabumba, Maciel Salu e o Terno de Terreiro, e Siba e a Fuloresta do Samba também seguiram uma tradição que acontece desde a primeira edição do festival, a de não criar barreiras entre o mais puro rock and roll e a mais pura música popular. Enquanto Azabumba ainda faz concessões a instrumentos plugados, Maciel Salu (filho do rabequeiro Mestre Salustiano), e Siba e a Fuloresta do Samba vão de ortodoxos maracatu de orquestra (ou de baque solto), ciranda ou cavalo-marinho. E agradaram em cheio a uma platéia que cresceu escutando esta saudosa promiscuidade de gêneros e ritmos.
Na vitrine do palco 2, os gaúchos do Cachorro Grande, a baiana Pitty, e o pernambucano (radicado em São Paulo), Junior Barreto, expuseram-se com sons diferentes. O Cachorro Grande fica entre a atitude dos Strokes e levadas do the Who; Pitty faz rock básico, mezzo punk, mezzo pop. Júnior Barreto veio de drum'n'bossa. Os três foram observados atentamente pelo produtor Carlos Eduardo Miranda, um freqüentador do APR desde 1993, que transitava pelo pavilhão com os bolsos carregados de demos.
Nando Reis tocou para a torcida. Cantou todos os hits que incensaram carreiras como a de Cássia Eller, Cidade Negra e Titãs. Com uma banda azeitada e tarimba de palco, ele fez o show mais animado da noite, com a platéia cantando junto praticamente todo o repertório que desfiou em moto continuo.
O Los Hermanos havia prometido antecipar no APR Ventura, seu novo disco (que chega às lojas em maio), mas só mostrou uma trinca de canções. A base do repertório foi de O Bloco do Eu Sozinho, com algumas coisas do disco de estréia. Mais cool do que nunca, a banda não faz concessões, portanto, a badalada Anna Júlia (gravada até por Jim Capaldi com direito a slide guitarra de George Harrison), não deu as caras.
A imprensa local foi unânime em afirmar que esta foi a mais animada edição do APR em anos. O sucesso conseguido com a escalação doméstica (a única exceção foi o escatológico Terrorgruppe) pode confirmar uma tendência, a de valorizar cada vez mais grupos nacionais. Gringos como Charlatans, Asian Dub Foundation, ou o redivivo The Mission (que veio ano passado) podem até ajudar a abrir mais espaço para o festival nos jornalões do Sudeste. No entanto, como não são sucesso no Brasil, não contribuem para aumentar o público do evento, e menos ainda para animar a festa - como Ira!, Nação Zumbi, Los Hermanos, Nando Reis, Rappa, e as bandas emergentes fizeram com tanta competência.