segunda-feira, março 15, 2004

Entrevista com Eli-eri no Jornal da Paraíba:

"A ENTREVISTA

- Que resultados podem ser computados pelo Departamento de Música da UFPB?

- O Departamento de Música da UFPB firmou na Paraíba um pólo musical que tem irradiado resultados positivos por todo o Nordeste e mesmo pelo País. Ele tem provido as orquestras e escolas de Música do Brasil todo com ótimos profissionais, oriundos de seus cursos de extensão e de graduação. Não são poucos os que se formaram aqui e hoje são destaque no cenário musical brasileiro, como Radegundis Feitosa, Nailson Simões, Ibaney Chasin, Yara Borges, Vivian Siedlecki, Raiff Dantas, Sandoval de Oliveira, Felipe Avellar, somente para citar alguns. Acredito que, atualmente, o nosso seja o Departamento de Música no Brasil com o maior número de CDs produzidos. Estes CDs registram o trabalho de altíssima qualidade de grupos como o Quinteto Brassil, JP-Sax, Quinteto Paraíba, dentre vários outros. Também é bom salientar que cada vez mais o nome da UFPB aparece em revistas especializadas de música (brasileiras e estrangeiras), divulgando os trabalhos de pesquisa de professores como Didier Guigue, Ilza Nogueira, Hermes Alvarenga e Felipe Avellar. Estes resultados deverão se tornar ainda mais expressivos com a abertura do nosso programa de pós-graduação, que está em vias de acontecer.

- Hoje, em que áreas o departamento se destaca?

- Sob a liderança da pianista Ana Lúcia Altino, o departamento foi criado há 25 anos atrás visando especialmente a área de performance. Oferecendo o maior número de habilidades em instrumento no País, ele concentrou por muitos anos sua vocação neste aspecto da música. Esse fato e a presença de renomados artistas no seu corpo docente atraiu alunos de todos os lugares do Brasil. Basta lembrar que, por vários anos, viu-se aqui uma verdadeira peregrinação de alunos para estudar piano com Kaplan, para citar apenas um caso. Hoje, outras áreas estão adquirindo espaço. Uma delas é a musicologia, através de um trabalho liderado pelo professor Didier Guigue, à frente do GMT (Grupo de Pesquisas em Música, Musicologia e Tecnologia Aplicada). Outra área é a composição, que foi oficialmente implantada na UFPB, no ano passado, através da criação do Compomus (Laboratório de Composição Musical). Digo ‘oficialmente’, porque a Paraíba tem toda uma história anterior de sucesso nesse campo, representada no trabalho de compositores, todos vinculados à UFPB, como José Alberto Kaplan, Ilza Nogueira, Didier Guigue, Carlos Anísio, Tom K, e outros.

- Como está a integração com outras instituições que lidam com a música na Paraíba?

- A Universidade mantém um importante convênio com o governo do Estado para viabilizar a atuação de nossos professores na Orquestra Sinfônica da Paraíba. Há também um interessante plano de cooperação entre o Compomus e a direção da Orquestra Sinfônica a ser desenvolvido este ano. Numa atitude pioneira, a Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba, sob a regência do competente Luiz Carlos Durier, executará em um de seus programas (provavelmente em setembro), composições orquestrais da nova geração de compositores da Paraíba, jovens que estão atuando e estudando conosco no Compomus.

- A iniciativa da UFPB de investir no estudo da música pode ser considerada vitoriosa?

- Eu diria vitoriosíssima! A história musical recente da Paraíba está intimamente ligada ao Departamento de Música da UFPB. Certamente, todo o intenso movimento musical visto na Paraíba nas duas últimas décadas, a existência de orquestras sinfônicas de grande porte, a atuação de numerosos grupos de câmera, corais universitários, concertos todas as semanas, gravações de CDs, seriam inconcebíveis sem o trabalho que foi e está sendo realizado na UFPB.

- Como o senhor avalia a música na Paraíba hoje? Mantemos a tradição de celeiro de talentos?

- A Paraíba continua a manter, no Nordeste, uma posição muito especial no campo da música. Cito alguns fatos: acima da Bahia, é o único Estado a concentrar tantas atividades de performance musical; é também o único a enviar regularmente quatro compositores para representar o Norte-Nordeste (não contando Bahia) nas Bienais de Música Brasileira Contemporânea e em diversos outros festivais, nacionais e internacionais; também não é à toa que temos aqui uma Ilza Nogueira, que nos representa na Academia Brasileira de Música. Novos talentos continuam a surgir, provindos não somente do Departamento de Música, como também da Escola de Música do Estado Anthenor Navarro. Recentemente, impressionou-me bastante o Grupo Quarta Dimensão, formado por alunos do Bacharelado de Música. Na composição, vários jovens promissores despontam, a exemplo de Ticiano Rocha, Marcílio Onofre, Herlon Rocha, Samuel Correia, Kayami Farias, Rogério Borges, somente para mencionar alguns.

- A opção na UFPB sempre foi o ensino da música acadêmica erudita. Por que não desenvolvemos experiência com música popular?

- Os aspectos técnicos aplicados à chamada música erudita, tanto na parte da performance quanto na da criação, não excluem a música popular. O músico que tem uma formação acadêmica, mesmo que opte pelo mercado da música popular, sempre terá mais recursos técnicos a sua disposição. Muitos paraibanos que se destacam hoje no cenário da música popular passaram de alguma forma pelo Departamento de Música. Lembro-me agora de nomes como João Linhares, Sérgio Gallo, Xisto Medeiros, Renata Arruda, Soraia Bandeira, Esmeraldo Marques e integrantes do Cabruêra. Mas concordo que seria interessante que tivéssemos disciplinas e mesmo cursos mais direcionados às questões específicas da música popular. No atual projeto de reforma do Bacharelado, há propostas neste sentido.

- Temos exportado muitos talentos, como o senhor citou. Por que eles não ficam aqui?

- Muitos ficam. Cito um dado que comprova isso: na reestruturação da Orquestra Sinfônica, há 25 anos, foi preciso trazer vários “estrangeiros” para integrar seus quadros. A presença de músicos locais era bem pequena. Hoje é o contrário: a maioria dos integrantes da orquestra são profissionais formados aqui. Evidentemente, muitos outros músicos, após concluírem seus cursos na Paraíba, buscam novos horizontes, atrás de maiores mercados de trabalho, maior capacitação em cursos de pós-graduação, etc.

- O movimento coral na Paraíba já foi de grande expressão, mas nos últimos anos diminuiu o número de corais...

- Não sei se diminuiu o número de corais. Talvez tenha diminuído o número de corais que realizam trabalhos diferenciados. No passado, corais que desenvolviam esses trabalhos se evidenciavam bastante e atraíam um grande público, como o Coral Universitário Gazzi de Sá, o Coral Universitário de Campina Grande, o Grupo Camena, o Grupo Anima, dentre outros. Mas temos hoje coros com trabalhos de peso, como o excelente Villa-Lobos, sob a regência de Carlos Anísio, o Coral Universitário da UFCG, dirigido pelo Lemuel Guerra, e o Coral do Dartes, de Eduardo Nóbrega.

- O senhor acaba de chegar de um doutorado no Canadá e deve ter feito muitas comparações. O que nos separa do primeiro mundo na música?

- Creio que principalmente os aspectos relacionados à infra-estrutura. Não temos o mesmo número de salas de concerto, orquestras, universidades, bibliotecas, instituições de apoio, enfim, recursos materiais e financeiros que eles dispõem. Mas não ficamos atrás na questão do talento, pelo contrário. Até por causa de nossas limitações materiais, dispomos muitas vezes de certa capacidade de improvisação e criação que nossos colegas do hemisfério norte ignoram.

- Sua opção por compor uma música mais elaborada não lhe parece elitista?

- De forma alguma. Essa estória de música elitista é baseada numa falsa premissa, defendida por pessoas que geralmente lucram com a música extremamente pobre e de má qualidade que grassa a mídia brasileira. Por ser abstrata, por não defender teses, a música, seja ela a mais elaborada, pode ser assimilada e apreciada por qualquer pessoa. Se as pessoas fossem expostas a uma música mais rica e sofisticada, se tivessem opção, aposto que não existiriam tantas duplas sertanejas e grupos de música baiana por aí.

- O que o senhor quer dizer como música pobre e de má qualidade que grassa na mídia?

- Refiro-me a músicas que apresentam recursos extremamente limitados e uma redundância absoluta, músicas calcadas em clichês já cansados, sem um mínimo de criatividade.

- O senhor não acredita que a música popular brasileira seja a maior expressão artística de nossa gente?

- Acredito sim. No entanto, convém lembrar que esse estereótipo de “música popular como nossa maior expressão artística” surgiu não somente devido à profusão dessa música no nosso País e à intensidade com que afeta nosso povo. Surgiu, principalmente, devido a sua variedade e riqueza, bem como sua qualidade. Ficamos conhecidos pela grande variedade de nossas raízes e manifestações folclóricas musicais, que vão do frevo ao maracatu, da autêntica música sertaneja (não me refiro a sertanejos eletrônicos) ao autêntico forró (também não me refiro aos forrós eletrônicos difundidos na mídia). O que também nos tornou uma “potência” no campo da música popular urbana, com grande proeminência no cenário internacional, foi o diferencial no aspecto da qualidade. Temos toda uma história, no século 20, de música popular de grande qualidade, que culmina nas décadas de oitenta e noventa nos trabalhos de artistas como Tom Jobim, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan, Arrigo Barnabé, Chico Buarque, Gil-berto Gil, Alceu Valença, Sivuca, Geraldo Aze-vedo, Vital Farias, Zé Ramalho, Para-lamas, somente para citar alguns dos mais famosos.

- Não é a música a arte que permite a revelação dos segredos mais profundos do ser humano e que para isso tanto faz a forma perfeita das sinfonias de Beethoven, da produtividade de Bach, da criatividade de Mozart ou a explosão da música sertaneja ou do axé music baiano?

- Se o que você quer dizer é que a grande variedade de músicas, em seus aspectos qualitativos e estilísticos, reflete a imensa quantidade de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais que formam o ser humano, e que nessa medida, o melhor de Mozart é tão válido quanto o pior de Zezé di Camargo e Luciano, talvez seja assim. No entanto, graças a Deus, o que tem permeado a nossa sobrevivência e crescimento como seres humanos é a busca incessante do conhecimento, dos meios mais sofisticados de expressão (inclusive artística) e de entendimento do universo. Nessas bases, podemos fazer outra comparação entre esses tipos de música: um estaria para uma grande ponte, um grande projeto de engenharia (tipo ponte Rio-Niterói), enquanto o outro estaria para uma tábua servindo de ponte. Você certamente irá bem mais longe com a primeira do que com a segunda.

- Que lições já podemos tirar do Laboratório de Composição da UFPB?

- Para mim foi muito gratificante ver o Auditório do Departamento de Música lotado, em dezembro do ano passado, para assistir ao primeiro concerto das turmas de composição do Compomus. O concerto, dedicado ao maestro Kaplan (pioneiro nesta área na história recente do Estado), foi um grande sucesso. Nem eu mesmo pude prever o quanto nossos estudantes avançariam qualitativamente em seus trabalhos composicionais. Estamos agora com as inscrições abertas para os novos cursos, que começarão ainda em março. Estaremos lançando, também em março, o Projeto “Fala Compositor!”, que pretende reunir compositores e comunidade para conversas e debates informais sobre assuntos relacionados à música em geral. Outros projetos em andamento referem-se a publicações de partituras de compositores locais e a organização de um acervo da obra de José Alberto Kaplan.

- Que dificuldades se enfrenta para fazer música na PB?

- Nossas maiores dificuldades são estruturais. Precisamos na UFPB, por exemplo, de espaço físico e equipamento para atender à demanda crescente de alunos e acolher adequadamente a nova Pós-Graduação, o Compomus, uma biblioteca decente, etc. O Departamento de Música possui um corpo docente altamente qualificado (com 11 doutores e 12 mestres em seus quadros), bem à frente das universidades dos nossos Estados vizinhos, mas algumas dessas universidades, a exemplo da UFRN, dispõem de instalações bem mais adequadas, incluindo teatro próprio, salas com proteção acústica, estúdios, etc.

- Como cientista da música, que caminhos nos esperam?

- No campo da arte é sempre muito difícil prever futuros caminhos. O presente momento histórico apresenta uma grande variedade de estilos, métodos, linguagens, fusões. A vanguarda, o experimentalismo, o novo pelo novo, característicos das décadas de 60 e 70, ficaram rapidamente datados. Muitos dos protagonistas de novidades como serialismo total, aleatorismo, minimalismo, massas sonoras, etc., retornaram a procedimentos mais convencionais ou procuraram pontos de fusão com outros caminhos. Hoje, não temos mais “escolas” ou “movimentos” bem caracterizados como tínhamos até pouco tempo atrás; cada compositor é, digamos assim, livre para inventar sua própria linguagem e seguir seu próprio rumo. Acredito que continue assim por algum tempo.

- O que o Departamento de Música tem feito no campo da extensão, no contato com a comunidade?

- A extensão é um dos grandes pilares do nosso departamento. No campo do ensino de extensão, podemos dizer que são os muitos cursos de extensão em instrumento, iniciação musical, etc., que preparam os alunos para a graduação. O Bacharelado em Música seria possivelmente inviável sem esses cursos. Isso é porque, diferente do estudante que se prepara para o vestibular nas demais áreas do saber, o aluno de música precisa chegar à universidade já com certa bagagem técnica e teórica específica. Não se cria um músico em três anos num contexto de ensino de terceiro grau. O estudo da música inicia-se bem antes, em conservatórios e cursos médios de música, como o nosso na UFPB, ou o da Escola de Música Anthenor Navarro. No campo artístico, dispomos de trabalhos de grupos musicais que não somente divulgam junto à comunidade variados repertórios, como os grupos que já citei, como também integram as pessoas da comunidade, como é o caso da nossa Orquestra Infanto-Juvenil, dirigida pelo Maestro Geraldo Rocha Júnior, do coro infanto-juvenil, e outros. Há também outros trabalhos pioneiros e importantes, dedicados à inclusão social de crianças através da musicalização, que estão sendo desenvolvidos junto a diferentes comunidades, como o “Café com Pão – Arte com Fusão”, do professor Heitor Rossi e o “Musicalizar é Viver”, da professora Mônica Cury."





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?